02
fev
09

um dia para entrar na história

Ainda quando o crepúsculo reinava no céu de La Paz, horas antes da aparição de Evo Morales na sacada do Palácio do Governo, a Praça Murillo – onde este se encontra – estava predominantemente composta por dois seres distintos. Turistas argentinos e pombos (a existência maciça destas criaturas deve-se a insistente alimentação feita pela população local). Ansiosos esperando o aparecimento do presidente da Bolívia, gritos e cantos enaltecendo Evo já começam a ser ensaiados pelos argentinos simpatizantes de suas idéias. Tempos depois, quando a escuridão já se sobrepunha aos últimos raios solares, o contraste entre diferentes etnias começava, cada vez mais, a vigorar naquele dia em que, não só para bolivianos, mas também para o resto do mundo, o poder do acontecimento será responsável por se eternizar na história.

Bolivianos na Praça Murilo Bolivianos na Praça Murilo 

 

Neste dia, 25 de janeiro de 2009, acontecera um referendo responsável por levar duas questões à população local. A principal referia-se a nova Constituição da Bolívia. Paralelamente, o povo boliviano decidiria, também, em quanto deveria limitar a quantidade máxima de terra por pessoa, cinco ou dez mil hectares. Como em todo país dito democrático se prevaleceu a vontade da maioria. E esta maioria, 61%, foi responsável em implementar uma nova Constituição para vigorar na Bolívia, contra 38,5% contrários a ela. Em relação ao tamanho dos latifúndios, uma lavada de 80% optou pela quantidade máxima de cinco mil hectares por indivíduo.

Até aí, tudo parece lindo e maravilhoso, simples de compreender… Não fosse uma oposição derrotada incapaz de aceitar a legitimidade do referendo que fora avaliado por centenas de observadores internacionais da Organização dos Estados Americanos, da União Européia, do Mercosul, entre outras. Os resistentes à nova Constituição, já de antemão, recusa implementá-la nos departamentos dirigido por eles. A infantilização deste grupo é acompanhada por ismos que os precedem. O egoísmo, o charlatanismo, os cegam – ou pelo menos parecem cegá-los -, impossibilitando-os de enxergar a vontade de um povo que, finalmente, está bradando por algo há muito preso em suas cordas vocais: por liberdade. Tentam justificar suas posições utilizando-se do barato argumento de que em seus departamentos – conhecidos como Meia Lua, responsáveis por fazerem oposição ao governo – o voto contrário à Constituição foi vencedor. Realmente. Em  Santa Cruz, em torno de 63% votou não. Em Tarija, 65% da população também não era favorável a nova Constituição. Todavia, constituição é um documento de âmbito nacional, de tal forma que todo território de certo país é submisso a ela. De modo que se a grande maioria (permita-me a redundância) é a seu favor, não há discussão em relação a sua legitimidade. Além do mais, a construção de um país ocorre conjuntamente e não no “cada um por si e Deus contra todos”.

 Inescrupulosos pensamentos permeiam parte da oposição boliviano e seus seguidores. “Visa para collas¹”, “ passaporte para collas” são pichações comuns de se ver pelas ruas nas paredes do departamento mais rico da Bolívia, Santa Cruz, com a população predominantemente composta por brancos descendentes de europeus. É nítida a perigosa polarização que está ocorrendo num dos países mais pobres da América Latina. Conversando com a população de Santa Cruz, é possível encontrar aqueles que não só acreditam, mas que já estão até preparados para uma possível guerra civil.

 É a soberania de um povo ameaçada por uma minoria que acredita em uma superioridade, e se utiliza desse argumento, mascaradamente, até certo ponto, para fazer jus à economia mais forte de seu departamento, esquecendo-se de diversos fatores que contribuíram (e contribuem) para tal discrepância, como fatores geográficos: pela existência de gás natural e petróleo, a qualidade superior do solo, fazendo com que tais regiões consigam produzir uma maior quantidade de emprego, riqueza, etc. Fatores políticos responsáveis pelo não investimento proporcionalmente igualitário as necessidades das diferentes regiões do país, entre outros.   

 Resta-nos esperar o desenrolar desse enredo em que a antítese da beleza e da tristeza caminha paralelamente. De um lado, a beleza de um povo que briga por seu reconhecimento, nunca estando tão próximo desse feito. Do outro, a tristeza de ter a possibilidade de que este continue com algumas poucas mãos em seu pescoço sufocando-o até sabe-se lá quando. No entanto, a vitória está na esperança de uma breve e tranqüila consolidação e solidificação da já gloriosa conquista destes tais collas.      

 

1. Maneira pela qual os descendentes de índios são chamados.


0 Respostas to “um dia para entrar na história”



  1. Deixe um comentário

Deixe um comentário


fevereiro 2009
S T Q Q S S D
 1
2345678
9101112131415
16171819202122
232425262728